REVISTA DO CRMV-PR
N º 31 – ano V III – Jan/ Fev/ Mar de 2010
Mudança Climática:
o homem é vítima ou bandido?
Tudo muda na Terra Há mais ou menos 200 anos que se sabe que a Terra é muito antiga. Dos iniciais 6 mil anos estimados originalmente pelo bispo de Usler, baseado em documentos antigos e na Bíblia, a idade da Terra revelou-se quase milhão de vezes mais velha. É um intervalo temporal dificilmente imaginável e que para muitos é mais um conceito filosófico do que científico.
É claro que, aceitando-se essa idade, fica quase imediatamente implícita a ideia de mudanças nos ambientes do planeta: a extinção dos dinossauros ou o “afundamento” contínuo da Holanda são fatos mais ou menos conhecidos e aceitos mais facilmente pelas
pessoas. Mais impressionantes ainda foram as mudanças que provocaram a própria formação do oceano Atlântico e a quebra do Gonduana, imenso continente que unia a atual América do Sul, África, Índia, Oceania e Antártica! No entanto outro tipo de mudança que vem ocorrendo na Terra com certa frequência. Tratam-se das glaciações – períodos de cerca de 10 a 20 milhões de anos de extensão, nos quais o clima do planeta se resfria e as calotas de gelo avançam em direção aos trópicos. No últimos um bilhão de anos a Terra sofreu glaciações por pelo menos seis vezes, e os vestígios e evidências desses eventos encontram-se registrados nas rochas. A última glaciação, iniciada há um milhão de anos e que se encontra em pleno desenvolvimento, atingiu mais intensamente o Hemisfério Nor te fazendo com que a calota polar avançasse até a fronteira dos EUA e o Canadá, todo nor te da Europa até a região central da França e praticamente metade da Ásia. No Brasil não houve a presença de geleiras, mas de um clima mais seco e mais frio que o atual, uma vez que a água estava em grande par te aprisionada como gelo nas calotas polares e a chuva diminuiu sua intensidade, devido o decréscimo da evaporação da água oceânica. Na última
glaciação a temperatura média da Terra reduziu-se em 6 graus.
O desenvolvimento de uma glaciação se caracteriza por ciclos de eventos de frio intenso com duração de 100 mil anos (eventos glaciais) alternando-se com picos de 10 mil anos de clima quente semelhante ao atual (eventos interglaciais). Vivemos hoje no finalzinho de um evento interglacial que se iniciou há aproximadamente 10 mil anos, ou seja, a qualquer momento podemos retornar a mais um evento glacial de 100 mil anos! Como se desencadeia uma glaciação. A ocorrência de glaciações, muito embora seja um fenômeno relativamente frequente na história geológica da Terra, nos é ainda bastante misteriosa. Fundamentalmente uma glaciação se desenvolve devido à redução da irradiação solar recebida e absorvida pela Terra e este fenômeno tem origem tanto extraterrestre como terrestre.
No primeiro caso podemos colocar as marés e manchas solares, a circulação da poeira cósmica pelo sistema solar, a precessão dos equinócios, a inclinação do eixo de rotação, a circularidade e centralidade orbital, entre outros. Dentre as causas extraterrestres, aquelas que se relacionam à órbita terrestres (“variáveis astronômicas”) são as mais efetivas. O astrônomo russo chamado Milancovich determinou quais seriam essas variáveis, bem como seus ciclos de funcionamento.
Por exemplo, temos uma variável astronômica que diariamente controla o recebimento da irradiação solar: é a rotação da Terra que provoca aquecimento da superfície da Terra durante o dia e resfriamento à noite. Outra variável de fácil percepção é a alteração do ângulo de incidência dos raios solares sobre a superfície da Terra que é responsável pelas
estações do ano (ciclo anual). Existem outras variáveis astronômicas menos conhecidas como a precessão do equinócio (com ciclo de 21 mil anos), obliquidade da elíptica (com ciclo de 42 mil anos) e excentricidade da órbita (com ciclo de 96 mil anos). Milancovich verificou que essas variáveis atuam constantemente sobre o planeta provocando cada uma
delas tendências de esfriamento ou aquecimento. Visto que os ciclos são diferentes as variáveis não estão em fase mas atuam de maneira totalmente caótica mantendo assim um clima “médio” (picos de resfriamento de uma variável anulam-se picos de aquecimento de outra). Por meio de cálculos estatísticos, o astrônomo russo definiu que todas variáveis coincidiriam (estariam em fase) num resfriamento a cada 10 0 a 250 milhões de anos. Esse é aproximadamente o intervalo entre as glaciações desde pelo menos os últimos um bilhão de anos.
Das variáveis terrestres, as mais importantes são: os gases da atmosfera (CO2, poeira, O3, vapor de água e outros gases), a posição dos oceanos e continentes, o relevo da Terra e a variação da superfície da capa de gelo sobre o planeta. A famosa explosão do vulcão Cracatoa, na Indonésia (a mais intensa já observada pelo Homem), lançou mais gases na atmosfera do que toda a Revolução Industrial inglesa. Somente a cinza vulcânica jogada na atmosfera entrou em órbita da Terra e deu três voltas no planeta, provocando um esfriamento (efeito de sombreamento) nos cinco anos seguintes.
Acabaremos cozidos ou congelados?
Na década de 1970 dois pesquisadores da Universidade de Columbia, EUA, enviaram ao então presidente Richard Nixon uma carta alertando-o que a período quente interglacial (esse que iniciou-se há 10 mil anos) estaria chegando ao final e que a Terra estaria caminhando para uma iminente glaciação. Imediatamente o staff o governo americano passou a carta à Academia de Ciências dos EUA. Contudo, essa carta foi esquecida por mais de 20 anos. Na metade da década de 1990 o estudo veio novamente à luz, agora já com a preocupação da real e evidente mudança climática que o planeta experimentava. Fundamentalmente os cientistas estão inclinados a admitir que realmente a Terra estaria caminhando para o final do período quente interglacial pelas seguintes evidências:
• As glaciações anteriores duraram cerca de 20 milhões de anos ou mais, a atual está aí há
apenas um milhão anos;
• Aparentemente todo final de período interglacial é antecedido, paradoxalmente, por acentuado aquecimento global, igual ao que se vem constatando atualmente.
Esse aquecimento provocaria o descongelamento das calotas polares e, consequentemente, a entrada de um imenso volume de água fria e doce no oceano. Esse fato desestruturaria as correntes marinhas provocando um resfriamento rápido e intenso, expandindo novamente as calotas polares. No caso do resfriamento perdurar, a própria calota de gelo agiria como um refletor da luz e do calor solar que sairia da Terra e se perderia
no espaço, resfriando ainda mais o planeta e impulsionando-o inexoravelmente para um novo glacial. Evidências de mudanças interglaciais-glacias passadas sugerem que essa transição é bastante abrupta (em termos geológicos, é claro) e que podem durar apenas alguns séculos.
O clima durante um evento interglacial, como o que vivenciamos atualmente, a temperatura
não se mantém constante, mas também mostra oscilações menores (± 2oC). Após o degelo das calotas polares e a consequente subida do nível do mar (cerca de 120m!) estabeleceram-se as condições climáticas mais ou menos semelhantes a que conhecemos
hoje. Por volta de 7 a 8 mil anos atrás, o mundo passou por um período denominado “Ótimo Climático”, no qual o clima era cerca de 1,5 a 2°C mais quente que o atual. Esse período durou cerca de 4 mil anos, quando por volta de 3 mil a 2,5 mil anos o planeta resfriou novamente, sem, contudo, entrar numa era glacial. Novo aquecimento perdurou todo o desenvolvimento do Império Romano e toda a Idade Média. Por volta do século XVI o planeta novamente se resfriou. São interessantes as evidências desse resfriamento.
Algumas pinturas da época mostram, por exemplo, os rios Tâmisa em Londres e o Gualdaquivir próximo a Sevilha na Espanha totalmente congelados, com pessoas patinando sobre o canal. Algumas vilas na Escandinávia foram totalmente abandonadas, sendo novamente ocupadas dois séculos depois, quando o mundo entrava novamente num período de aquecimento. Até o nosso velho rio Paraná, durante esse período tinha as suas águas num nível quatro a cinco metros mais baixo do atual. A partir da metade do século XIX o mundo vem se aquecendo continuamente até os dias de hoje.
E o Homem com isso?
É interessante mencionar novamente que as causas da glaciação e consequentemente dos ciclos climáticos quentes (interglaciais) e frios (glaciais) estão ligadas e fenômenos extraterrestres (variáveis astronômicas) e terrestres como a composição atmosférica.
Aí entra Homem, que interfere nessa composição atmosférica podendo tanto intensificar o efeito estufa (que esquenta o planeta) ou o efeito de sombreamento (que o esfria). A intensidade das mudanças causadas pelo Homem, embora amplamente aceito por todos, é cientificamente ainda questionável. Uma emanação vulcânica, por exemplo, pode colocar um volume de gases estufa ou de sombreamento na atmosfera maior que toda a produção industrial mundial de vários anos. O IPCC (International Panel for Climate Change), após ter investido milhões de dólares em pesquisa, ainda não encontrou uma resposta conclusiva sobre isso e recentemente teve seu prestígio científico danificado por “forçar” alguns resultados.
Diante disso, nossa preocupação com o lançamento de gases na atmosfera deve ser mais focada na poluição atmosférica, nas chuvas ácidas, na contaminação dos mananciais, do que propriamente no aquecimento do planeta.
Devemos estar mais preocupados com a qualidade da água, com a conservação dos sistemas ecológicos, e principalmente de como convivermos com o planeta sem destruí-lo total e irreversivelmente. Enfim, nossa preocupação deve estar centrada na pesquisa das alternativas para o novo sistema climático que inexoravelmente se desenha, muito menos por ação do Homem que pela própria Natureza. Que tipo de agricultura, que tipo de cidade, que tipo de energia, enfim, que tipo de sociedade queremos para a sobrevivência de todos habitantes da Terra.
•
Sugestão para leitura
Goudie, A ., 1992 Environmental change. Clarendom
Press, Oxford.
Parolin, M. & Stevaux, J.C., 2006. Dry climate and
eolian dune formation in the Middle Holocene in
Mato Grosso do Sul State, Central West Brazil. Z.
Geomophologie, 145:177-190.
Souza, C.R.G, Sugiuo, K., Oliveira, A .M.S., Oliveira,
P.E., 2005. Quaternário do Brasil.
Holos Editora, Ribeirão Preto.
Bell, M. & Walker, M.J.D., 1992. Late Quaternary
Environmental Change. Longman Scientific &
Techinical, New York.
José C. Stevaux e Isabel T. Leli
UEM – Depar tamento de Geografia
jcstevaux@uem.br